Mortes ligadas ao álcool têm maior alta dos últimos 10 anos
A pandemia e o isolamento social trouxeram consequências para a saúde física e mental. Uma delas foi o aumento do consumo de bebidas alcóolicas. De acordo com pesquisa feita pela organização independente de saúde pública Vital Strategies, houve um crescimento no Brasil de 18,4% de mortes causadas pelo uso excessivo de bebidas, na comparação de 2020 com 2019. Trata-se do maior índice de óbitos ligados ao álcool da década.
A pesquisa usou como base de dados as mortes registradas pelo SIM (Sistemas de Informações sobre Mortalidade), sistema oficial do Ministério da Saúde, causadas pelo CID (classificação internacional de doenças) de transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool, de 2010 até 2020.
Para Luciana Vasconcelos Sardinha, assessora técnica de Epidemiologia e Saúde Pública da organização, as consequências do consumo excessivo podem ser ainda maiores. “Temos os registros das causas básicas de mortes. Existe uma lista de CID, que apresentam as doenças diretamente relacionadas ao álcool, mas ainda é uma parte pequena de amostra da realidade. Ainda temos a questão de violência, acidentes de trânsito, que temos a alcoolemia como responsável”, afirma Luciana.
O país apresentava uma tendência de queda na década, o máximo de aumento identificado tinha sido em 2011 com relação ao ano de 2010, quando o aumento foi de 3,9%. Os pesquisadores notaram que o crescimento das mortes surgiu a partir de abril de 2020, um mês depois que entraram em vigor as medidas mais restritivas de distanciamento social no Brasil.
“Avaliamos desde de 2010, tínhamos uma tendência de queda no Brasil, mas entre março e dezembro do ano passado teve um aumento grande. Existem algumas hipóteses para o agravamento. Em março, houve a determinação de ficar em casa. Aqueles pacientes que tinham alguma doença crônica, como diabetes, pressão alta, descompensaram seja pela falta de assistência, tratamento ou porque deixaram de fazer atividades físicas, a alimentação foi diferente também. Aí, veio o aumento da bebida e houve uma desregulação geral”, explica a analista.
A região Nordeste apresentou a maior variação percentual nas taxas brutas de mortalidade (que significa o risco de morte por 100 mil habitantes) por álcool em 2020 em relação ao ano de 2019, com aumento de 31%. Seguido pela região Sudeste,18,2%.
Os dados mostram que a maior incidência do abuso se dá em pessoas entre 18 e 40 anos, o que demonstra um impacto econômico significativo. “Como acomete mais a população economicamente ativa, o impacto econômico é muito grande. Quando aumenta o consumo de álcool, pode não chegar ao óbito, mas tem aumentado o absenteísmo [ausência no trabalho], aposentadoria precoce, acidentes, violência. Vale destacar que não é só doença que agrava”, alerta Luciana.
Além disso, nos casos de acidente e violência, a pessoa representa um gasto muito maior à saúde pública, ressalta. “O custo disso é diretamente relacionado ao trabalho e ao impacto social”.
Como diminuir os efeitos do álcool?
De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o álcool é uma das principais causas de morte e invalidez em todo o mudo. São 3 milhões de mortes por ano, o que representa uma pessoa a cada 10 segundos.
Os dados sugerem que a pandemia da covid-19 intensificou esses impactos, uma vez que cresceu a venda de bebidas no Brasil, de acordo com a Ideal Consulting, auditoria especializada no comércio de venda e importação de alcoólicos.
Luciana aponta a aceitação social como uma das dificuldades no combate ao problema. “O álcool é socialmente aceito. Por exemplo, se vemos uma pessoa fumando, logo pensamos: ‘por que ela fuma, faz tão mal?’. O álcool não acontece isso, todo mundo entende que é normal”, lamenta ela.
A Vital Strategies aponta que o poder público pode agir com o aumento de impostos sobre as bebidas, a restrição de lugares para venda e a fiscalização das leis já existentes para dificultar o acesso aos produtos.
“Baseado em experiência em outros países, primeiro é restringir a disponibilidade e aumentar preço. Quando aumentamos, temos menos acesso. Essa coisa de vender álcool em qualquer lugar, como postos de gasolina, não é bom. Temos muitas leis no Brasil, mas não temos a fiscalização correta. Por exemplo, tem a lei que não pode vender álcool para menores de 18 anos e não dirigir após bebida, mas não são fiscalizadas”, observa a pesquisadora.
“A proibição e restrição de propaganda de álcool também é importante. Principalmente para atingir a população mais jovem”, acrescenta ela.
Luciana lembra que, a partir do momento em que a pessoa já está doente, os cuidados devem estar disponíveis “A pessoa precisa ter acesso mais fácil ao tratamento. Ter trabalhos de conscientização e comunicação pesados, explicando que isso é um problema. É importante dar acesso para as pessoas se tratarem, principalmente na atenção primária, nas unidades básicas, que são as portas de entrada do sistema de saúde”, conclui ela.
Fonte: R7.COM