Rio Grande do Sul tem 69 municípios com mais eleitores do que habitantes
Especialistas apontam os motivos e as consequências desse fenômeno
Entre os 497 municípios do Rio Grande do Sul, 69 têm mais eleitores aptos a votar no pleito deste ano do que habitantes. Este número representa quase 14% das cidades gaúchas e foi obtido por meio de um levantamento realizado por GZH, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e na estimativa populacional para 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No total, esses municípios somam 155.562 habitantes e 168.477 pessoas aptas a votar – resultando em um excedente de 12.915 eleitores. A diferença entre o número de moradores e votantes é percebida exclusivamente em municípios pequenos, sendo que grande parte deles (97,1%) está na região norte do Estado e tem menos de 4 mil habitantes.
Mas essa discrepância varia bastante conforme a cidade: enquanto Mato Queimado e Santa Tereza têm somente seis e três eleitores a mais, respectivamente, Itati, no Litoral Norte, tem quase mil.
Outras 25 cidades, como Alegria, Putinga, Monte Alegre dos Campos, Faxinalzinho, Saldanha Marinho e Coqueiros do Sul, possuem menos de cem votantes excedentes. Mas Pinhal da Serra e Nicolau Vergueiro têm mais de 500 e Monte Belo do Sul, Bom Progresso, Vespasiano Corrêa, Porto Vera Cruz, União da Serra e Capão Bonito do Sul, mais de 400. Os nove municípios que lideram o ranking têm entre 1 mil e 2,5 mil habitantes.
Para o prefeito de Itati, Flori Werb, o principal fator que determina a diferença de 907 indivíduos é o crescimento da cidade nos últimos anos, que fica acima da projeção do IBGE.
O município, que é vizinho de Três Forquilhas, tem uma estimativa populacional de 2.377 pessoas e 3.284 eleitores aptos a votar nesta eleição.
Werb também comenta que muitas pessoas que se mudaram para cidades próximas, como Capão da Canoa, mantêm propriedades rurais em Itati, por isso, não pedem transferência de domicílio eleitoral e seguem votando no município.
— O fator maior é que o Censo é de 2010. Quando sair o novo Censo, realmente vai dar uma diferença muito grande, porque a nossa cidade cresceu muito, assim como toda a região tem crescido — afirma.
O professor de Geografia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) Orlando Albani, que é mestre pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com ênfase em dinâmicas territoriais, corrobora o motivo apontado pelo prefeito de Itati, já que as estimativas populacionais são baseadas em pesquisas de anos atrás.
— Essa estimativa pode errar para mais ou para menos. Os números do TSE de registros eleitorais são mais atualizados, então a quantidade de eleitores é mais precisa do que a de habitantes — aponta.
De acordo com o docente, à primeira vista, essa diferença pode causar estranheza, mas tem outra explicação bem simples: a migração. Ele ressalta que é muito comum, principalmente em municípios pequenos, com menos de 20 mil habitantes – que representam cerca de 70% das cidades do Brasil –, as pessoas mudarem para regiões maiores ou para outros Estados e não pedirem a transferência do domicílio eleitoral:
— Certamente esse é um fenômeno que acontece em outras regiões do Brasil, porque tem um movimento migratório muito importante desde os anos 1990. As pessoas dessas cidades pequenas migram para as cidades médias ou grandes em busca de melhores condições de trabalho, porque em locais com uma população como essa (menor do que 4 mil habitantes) a vida geralmente é relacionada ao setor primário da economia, como agricultura e pecuária.
A falta de pedidos de transferência, por sua vez, está relacionada a duas questões, na visão de Albani. A primeira é de ordem prática: a pessoa muda de cidade em um ano que não tem eleição e, na correria da mudança, posterga a mudança de domicílio eleitoral. Então, quando chega o período de um novo pleito, ela só justifica o voto e não pede a transferência. Já a segunda questão é mais geográfica e está relacionada à vontade de manter um vínculo com o lugar onde residiram.
— Chamamos isso de vínculos territoriais ou com o lugar, por que ela mantém uma relação com aquele lugar, que geralmente é onde ela nasceu e passou boa parte da infância e adolescência, onde tem família. Então, às vezes, até busca voltar nessa época de eleições para visitar a família — esclarece o professor da Ulbra.
Uma certa tradição de política familiar, presente especialmente nos municípios pequenos do Rio Grande do Sul, também é apontada como um dos motivos deste fenômeno pelo cientista político e professor da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Augusto Oliveira. O especialista comenta que, nessas cidades com poucos habitantes, a pessoa sente que seu voto tem ainda mais peso, então faz questão de mantê-lo por lá.
— A pessoa migra e deixa seu título naquele local, porque nas eleições municipais vai votar nos conhecidos. Então, mantem essa conexão política com o município dela, o que não é estranho. Pode ser que viva em outra cidade, mas vai voltar para visitar a família e prefere manter o voto onde tem os vínculos sociais — afirma, antes de acrescentar:
— Em uma cidade pequena, um voto tem muita relevância, a pessoa se sente valorizada politicamente. Isso justifica até a preferência em permanecer no domicílio menor.
Mas a não transferência do domicílio eleitoral também pode gerar impactos, como o aumento das abstenções. Isso porque o fato de ter que se deslocar para votar eleva o “custo do voto” e, se a pessoa não tiver um sentimento forte sobre a relevância da sua participação, possivelmente optará por não realizar a viagem e apenas justificar.
Em eleições municipais, Oliveira ainda aponta que essa pessoa acaba trocando a oportunidade de buscar o melhor para a cidade em que realmente está morando por outras questões, como o vínculo social e familiar.
— Ela acaba deixando de participar da política local, então tem um aspecto negativo, porque envolve questões que afetam diretamente seu bem-estar sobre as quais a pessoa acaba não podendo se manifestar por meio das eleições. É uma troca que se faz, mas ela tem legitimidade para fazer essa opção — comenta o cientista político.
Oliveira acrescenta que o ideal é que as pessoas atualizem seus cadastros eleitorais para que possam exercer seu direito ao voto onde vivem e onde é mais acessível, sem custos de deslocamento que podem resultar no aumento da abstenção.
Fonte: GZH